Apicomplexa

1 Introdução

O filo Apicomplexa é um grupo de eucariotas unicelulares que vivem como parasitas obrigatórios de animais. Estes parasitas infectam hospedeiros metazoários que vão desde invertebrados, tais como poliquetas (Rueckert et al., 2010), sipunculídeos (Leander, 2006), moluscos cefálicos (Kopečná et al., 2006), ou vários insectos (Hecker et al., 2002), até répteis, anfíbios e mamíferos, incluindo humanos (Duszynski et al., 1999; Smith, 1996). Apicomplexa também contém Plasmodium, os agentes causadores da malária, a doença parasitária mais devastadora dos seres humanos, e o coccidium Toxoplasma gondii, provavelmente o parasita mais prevalente dos seres humanos com influência proposta no seu comportamento (Flegr, 2007). Como um dos grupos eucarióticos mais especies com uma estimativa de mais de um milhão de espécies (Pawlowski et al., 2012), não surpreendentemente, os apicomplexanos incluem muitos parasitas de animais selvagens e domésticos (Chartier e Paraud, 2012). Os parasitas apicomplexanos pertencem taxonomicamente aos alveolados, um grupo de protistas, que também inclui ciliados (Ciliophora), geralmente protistas heterotróficos de vida livre que possuem inúmeros cílios na sua superfície celular e um sistema genético único de macro e micronúcleos, e principalmente dinoflagelados fototróficos (Dinophyta), algas com vários plastídeos complexos que são de alta importância ecológica em ambientes aquáticos (Adl et al, 2012).

Os apicomplexanos são conhecidos por conterem um conjunto de estruturas características, em particular, o complexo apical e o apicoplástico. Enquanto o complexo apical, um aparelho sofisticado geralmente composto pelo rinque conóide, rhoptries e micronemas, é usado para penetrar a célula hospedeira, o apicoplástico representa um plastídeo secundário não fotossintético derivado de uma organela fotossintética putativa. Esse plastídeo remanescente é circundado por quatro membranas que refletem sua origem complexa em evento endossimbiótico secundário ou terciário (revisto em Foth e McFadden, 2003; Lim e McFadden, 2010; Oborník et al., 2009; Roos et al., 1999). Seu genoma é altamente reduzido ao círculo de ADN de 35 kb-long (Gardner et al., 1991; Kilejian, 1975) e carece de quaisquer vestígios de genes envolvidos na fotossíntese. A estrutura do genoma Apicoplast, o conteúdo gênico e a síntese gênica estão bastante conservados entre os apicomplexanos, suportando uma única origem desta antiga organela fotossintética (Denny et al., 1998; Lang-Unnasch et al., 1998). No entanto, nem todos os apicomplexanos transportam um plastídeo. Foi provado que membros do gênero Cryptosporidium, parasitando o intestino de vertebrados incluindo humanos, não possuem o apicoplástico (Abrahamsen et al., 2004; Xu et al., 2004; Zhu et al., 2000a). Além disso, todas as tentativas de detectar esta organela em eugregarinas, apicomplexanos de ramificação precoce com células enormes associadas aos hospedeiros invertebrados, também fracassaram (Toso e Omoto, 2007). De acordo com a filogenia molecular (Carreno et al., 1999; Zhu et al., 2000b) e algumas sinapomorfoses morfológicas (Valigurová et al., 2007), ambos os grupos acima mencionados parecem estar intimamente relacionados. Supomos que estes apicomplexanos perderam seu plastídeo logo após sua aquisição, antes que a organela se tornasse firmemente estabelecida e indispensável para a sobrevivência do parasita (Oborník et al., 2009).

Still, o apicoplástico foi encontrado nos grupos mais ricos e difundidos de parasitas apicomplexos, tais como Coccidia, Piroplasmida e Haemosporidia (Lim e McFadden, 2010; Oborník et al., 2009). No Plasmodium falciparum mais bem estudado, essa relíquia plastificada mostrou-se essencial para a célula, sua ruptura levando ao chamado efeito de morte tardia (Fichera et al., 1995; He et al., 2001; Pfefferkorn et al., 1992; Ramya et al., 2007). O apicoplasto, portanto, representa um novo alvo promissor, até mesmo um proverbial calcanhar de Aquiles destes patógenos (Jomaa et al., 1999; McFadden e Roos, 1999; Soldati, 1999; Wiesner e Jomaa, 2007; Wiesner et al., 2008). A descoberta desta organela levou à sugestão inovadora de que estes parasitas heterotróficos tinham evoluído de um ancestral fototrófico, particularmente, uma alga hospedando um plastídeo complexo (McFadden et al., 1996). Embora o apicoplástico aparentemente tenha perdido a função plastidora principal e, portanto, não seja mais fotossintético, várias provavelmente vias metabólicas essenciais ainda ocorrem nesta organela, como a biossíntese heme (Kořený et al., 2011, 2013; van Dooren et al., 2012; Wilson, 2002; Williams e Keeling, 2003), síntese de ácidos graxos (Goodman e McFadden, 2008), ou via sintética isoprenóide não-mevalonada (Jomaa et al., 1999; revisado por Ralph et al., 2004). Tem sido proposto que particularmente a via biossintética heme (tetrapyrrole) desempenha um papel importante nas perdas plastimétricas, que são conhecidas por ocorrer com freqüência, especialmente durante a evolução dos alvéolos e estramenófilos (Barbrook et al., 2006; Kořený et al., 2011, 2012; Kořený e Oborník, 2011). De facto, tem sido dada uma atenção substancial ao caminho heme na procura de um alvo adequado de medicamentos antimaláricos (Seeber e Soldati-Favre, 2010; van Dooren et al., 2012). No entanto, foi demonstrado recentemente por um elegante resgate químico do Plasmodium libertado do apicoplástico que, para as suas fases eritrocitárias (= corrente sanguínea), o único composto verdadeiramente essencial produzido pelo apicoplástico é o isopentenil pirofosfato, um produto da via isoprenóide não-mevalonada (Yeh e DeRisi, 2011).

Embora, graças ao número de membranas que envolvem o apicoplástico, tenha sido evidente que se trata de um plastídeo complexo originário de um evento endosimbiótico, pelo menos secundário (Köhler et al, 1997; McFadden et al., 1996), a sua origem particular de dentro da linhagem do plastídeo verde ou vermelho permaneceu desconhecida durante muito tempo. Até agora, apenas dois grupos de algas com plastídeo verde secundário são conhecidos, nomeadamente, a Euglenofita fotossintética e a Chlorarachniophyta, pertencentes às escavações e aos rizomas, respectivamente. Ambos os grupos protistas devem ter adquirido seus plastídeos relativamente recentemente (Archibald, 2012). Todos os outros grupos de algas conhecidas por abrigar plastídeos secundários, tais como Stramenopila, Alveolata, Cryptophyta e Haptophyta, obtiveram-nos através da relação endosymbiotica com uma alga vermelha. Entretanto, mesmo dentro dos dinoflagelados, um grupo rico em algas alveoladas com um plastídeo vermelho secundário, foram descritas duas espécies (Lepidodinium viride e L. chlorophorum) com o plastídeo secundário verde (Takishita et al., 2008; Watanabe et al., 1990). Antes da descoberta dos cromerídeos (Moore et al., 2008), os dinoflagelados representavam, devido à sua posição irmã da Apicomplexa, os parentes fototróficos mais próximos conhecidos destes parasitas obrigatórios (Zhang et al., 2000). Infelizmente, como o apicoplástico perdeu todas as suas funções fotossintéticas e como o genoma do dinoflagelado peridinizado foi reduzido a um conjunto extremamente estreito de genes fotossintéticos (Barbrook e Howe, 2000; Green, 2004; Zhang et al., 1999), os genomas plastídeos desses alveolados relacionados praticamente não se sobrepõem (Keeling, 2008) e estão, portanto, além de uma comparação significativa. Os únicos genes compartilhados pelos dois grupos são aqueles que codificam os rRNAs; entretanto, sua extrema riqueza e divergência de AT tornam uma análise filogenética confiável altamente questionável (Dacks et al., 2002; Howe, 1992; Oborník et al., 2002; Zhang et al., 2000). Consequentemente, numerosas análises filogenéticas dos genes apicoplásticos conduziram a resultados contraditórios. Enquanto as análises baseadas no gene tufA apoiaram a origem do apicoplástico a partir da linhagem verde (Egea e LangUnnasch, 1995; Köhler et al., 1997), outros autores sugeriram sua origem fora da linhagem verde (Blanchard e Hicks, 1999) ou dentro da linhagem vermelha plastificada (Williamson et al., 1994). Esta última origem é ainda apoiada pela estrutura do ópero superplástico do genoma apicoplástico, gene synteny, que é homólogo ao vermelho e não ao verde (Blanchard e Hicks, 1999; McFadden e Waller, 1997; Stoebe e Kowallik, 1999; Zhang et al., 2000). Apesar disso, o cenário verde entrou mais uma vez no jogo, quando os genes de cox2 divididos de forma única foram encontrados nos genomas nucleares tanto de apicomplexanos como de leguminosas (Funes et al., 2002). Entretanto, outros pesquisadores mostraram que tal arranjo já está presente nos ciliados e obviamente evoluiu várias vezes durante a evolução (Waller e Keeling, 2006; Waller et al., 2003). A filogenia ambígua do apicoplasto reflete a extrema divergência de seus genes em rápida evolução. De facto, o conteúdo AT dos genes do P. falciparum apicoplast pode atingir até 97% e as análises filogenéticas dessas sequências enviesadas são fortemente afectadas por vários artefactos filogenéticos, incluindo o fenómeno de atração de longo alcance (Dacks et al, 2002).

No entanto, a descoberta de um novo grupo de alvéolos fotossintéticos chamado Chromerida representou um verdadeiro avanço neste sentido (Moore et al., 2008; Oborník et al., 2012). Estas algas contêm genomas plastídeos relativamente conservados com o repertório genético sobreposto aos dos plastídeos apicomplexan e dinoflagelados. Além disso, foi demonstrado sem ambiguidade que o plastídeo cromerídeo é o fototrófico mais próximo conhecido em relação ao apicoplástico. Evidências acumuladas derivadas de genes codificados pelo núcleo mostraram ainda que os cromerídeos compartilham uma ancestralidade comum com os Apicomplexos (Janouškovec et al., 2010; Kořený et al., 2011; Moore et al., 2008; Oborník et al., 2009).