O complexo Buford

por Chris Mallac em Lesões Agudas, Anatomia, Diagnóstico & Tratar, Lesões Articulares, Lesões do Ombro

Chris Mallac olha para uma variante rara e pouco reconhecida da anatomia normal do ombro, conhecida como complexo Buford. Ele explora como ela difere da anatomia anterior normal do ombro e as implicações para os clínicos na continuação da nossa série de ‘lesões incomuns’.

Washington Wizards guarda John Wall (2) segura seu ombro depois de ser derrubado para a quadra. Crédito: Geoff Burke-USA TODAY Sport.

O complexo Buford é uma variante relativamente rara e pouco reconhecida da anatomia normal do ombro que afecta o labrum antero-superior e o ligamento glenoumeral médio (MGHL). Alguns pesquisadores acreditam que é uma variante “normal”, que é encontrada com pouca frequência em ombros em RM e artroscopias de rotina do ombro. Outros acreditam que pode estar associada ao aumento da chance de sofrer uma patologia intra-articular do ombro.

Anatomia e biomecânica

Os ligamentos glenoumerais incluem:

  • Ligamento glenoumeral superior (SGHL).
  • Ligamento glenoumeral médio (MGHL)
  • Complexo do ligamento glenoumeral inferior (IGHL), formado por uma banda anterior, uma banda posterior e o recesso axilar da articulação.

Estes ligamentos são dobras da cápsula glenoumeral, estendendo-se da margem anterior e inferior da glenóide até a região do colo anatômico do úmero (ver figura 1)(1-3).

Figura 1: Um ombro ‘normal’ com MGHL estruturado e labrum completo

O MGHL ‘normal’ está ligado à superfície anterior da escápula e medial à margem articular. Em seguida, encontra-se obliquamente, posterior à margem superior do músculo subescapular e se mistura com a cápsula anterior. Distalmente está ligada à face anterior do úmero proximal, abaixo da inserção da glândula SGHL(4,5). As variantes anatômicas normais envolvem o MGHL com maior freqüência que os outros ligamentos; as variações comuns do ligamento glenoumeral médio anterior incluem um forame sublabral, um MGHL tipo corda e o complexo de Buford(6)(discutido abaixo).

O intervalo do manguito rotador é o espaço localizado entre a margem anterior do músculo supraespinhoso e a margem superior do músculo subescapularis. A cápsula articular que cobre este espaço inclui o ligamento coraco-umeral e o SGHL, e dá suporte à cabeça longa do tendão do bíceps. Este espaço anatômico está intimamente relacionado ao labrum superior e ao MGHL.

O labrum superior anterior é o local mais comum de variações anatômico-ligamentosas labrais normais. O espectro das variações anatômicas inclui um lábio superior anterior que está firmemente preso à borda glenoidal, reentrâncias sublabrais de vários tamanhos, descolamento do lábio e ausência completa do lábio(6-10).

Estabilidade da articulação glenumeral

A contribuição mais importante para a estabilidade anterior da articulação glenumeral é o mecanismo capsular anterior. Isto inclui:

  • A cápsula fibrosa.
  • Os ligamentos glenoumerais.
  • A membrana sinovial e seus recessos.
  • O labrum glenoumeral fibroso.
  • O músculo subescapular e o tendão.
  • O periósteo escapular.

A contribuição relativa de cada ligamento glenumeral para a estabilidade articular tem sido objecto de muito debate. Tem sido argumentado que, devido à ausência da MGHL e da SGHL em um grande número de sujeitos em torno de 15 a 21%(4,11), sua importância relativa à estabilidade do ombro é questionável(12,13). Estudos de dissecção dos ligamentos glenoumerais sugerem que a IGHL é a estrutura mais importante, suportando o ombro em 90 graus de abdução e rotação externa(14). Além disso, quando O’Connell et al mediram a tensão dos ligamentos glenoumerais em cadáveres após a aplicação de um torque externo controlado, verificou-se que o MGHL desenvolve a maior tensão (juntamente com o IGHL) quando o braço estava a 45 e 90 graus de abdução(15). Portanto, o MGHL é muito provavelmente um estabilizador importante junto com o IGHL.

O complexo Buford

O complexo Buford é uma variante anatômica da anatomia ântero-superior do ombro. Foi primeiramente descrito por Williams et al que descobriram que em alguns ombros foi encontrado um labrum anterosuperior ausente com uma estrutura em forma de fio que se assemelhava ao MGHL(16). Além disso, os pesquisadores revisaram os vídeos artroscópicos de 200 artroscopias do ombro e descobriram que 1,5% dos indivíduos tinham complexo de Buford.

Este MGHL em forma de corda origina-se diretamente do labrum superior na base do tendão do bíceps e atravessa o tendão do subescapularis para inserir no úmero. Falta o labrum da parte antero-superior da glenóide, com o restante do labrum nos outros três quadrantes permanecendo intacto.

Em um trabalho de pesquisa posterior, um grupo de pesquisadores do Texas observou mais de perto o labrum superior durante as artroscopias de rotina. Eles descobriram que o complexo de Buford era mais prevalente do que Williams et al propuseram(17). Eles constataram que em 108 ombros estudados, encontraram uma taxa de incidência do complexo Buford de 6,5%.

Foi argumentado desde então por cirurgiões e radiologistas do ombro que este arranjo anatômico pode ser confundido com uma lesão patológica em estudos de imagem e na artroscopia(6). O reconhecimento desta variação pelo radiologista é, portanto, desejável para evitar o diagnóstico falso-positivo de uma laceração labral glenoidal e cirurgia desnecessária(6,16). A Figura 1 abaixo mostra um ombro “normal” com uma MGHL estruturada e labrum completo. A Figura 2, por outro lado, mostra como o labrum e o MGHL ficam diferentes em um complexo de Buford.

É um problema?

Muitos radiologistas e ortopedistas acreditam que o complexo de Buford é uma variante rara mas ‘normal’ da anatomia do ombro. Contudo, outros argumentam que pode predispor o ombro a determinadas patologias do ombro. A ausência do labrum superior anterior concentraria, em teoria, forças no labrum superior e na área de inserção do tendão do bíceps, o que poderia predispor o paciente a uma lesão SLAP e outras lesões intra-articulares. Para resumir alguns estudos que analisaram a natureza patológica do complexo de Buford:

  1. Rao et al. Isso pode predispor o ligamento glenoumeral superior e o lábio a maiores forças de tração e lesão.
  2. Um grupo de pesquisadores japoneses descobriu, em um estudo de caso, que um paciente com complexo de Buford sofria de luxação posterior recorrente do ombro. Eles argumentam que a falta de um labrum ântero-superior e MGHL normal predisporia um cliente à tradução excessiva da cabeça umeral(19).
  3. Illahi et al. Já os ombros normais tinham apenas 12% de chance de ter uma lesão SLAP(17).
  4. Amparando o exposto acima, Bents e Skeete constataram que em 235 ombros estudados sob artroscopia, 2,5% tinham um complexo de Buford e destes 83% também tinham uma lesão SLAP. Isto é comparado a 17,5% nos ombros sem complexo de Buford(20).
  5. Canillas et al. apresentaram um caso de complexo de Buford associado a instabilidade glenumeral anterior, no qual foi realizada a reimplantação artroscópica do MGHL tipo corda com excelente resultado(21).
  6. Lee et al encontraram que uma laceração isolada do MGHL tipo corda no complexo de Buford apresentou-se como um “ombro congelado”, que falhou com injeções de esteróides e fisioterapia(22). Após investigação artroscópica, a laceração do MGHL foi encontrada e reparada com resultado positivo pelo paciente.

Implicações para clínicos e atletas

Embora a presença de um complexo de Buford seja rara – em apenas 1,5% a 6,5% dos ombros – se ela ocorrer, pode representar um problema potencial para o atleta envolvido em um esporte aéreo. Os ligamentos do ombro são cruciais para fornecer apoio passivo à articulação glenumeral durante as posições de fim de alcance. Como mencionado acima, o MGHL contribui junto com o IGHL para limitar a rotação externa em 45 e 90 graus de abdução.

Pode ser argumentado para o atleta de alta demanda em um esporte de overhead, como um nadador, atleta de cross fit, ginasta e tenista, que a presença de um complexo de Buford pode tornar o ombro mais vulnerável a ligeiras instabilidades devido ao MGHL deficiente e ao labrum antero-superior. Isto pode então sobrecarregar outras estruturas do complexo glenoumeral, como o tendão supraespinhoso, a âncora do bíceps e o tendão subescapular.

É uma condição potencial, embora rara, que o clínico precisa considerar ao lidar com ombros em atletas que apresentam lesões do manguito rotador e lesões do SLAP. O complexo de Buford pode ser visualizado no artrorressonância magnética (ARM), e pode ser encontrado em exames artroscópicos de rotina. Pesquisas sobre o complexo de Buford e o potencial dilema que ele representa para os atletas não foram estudadas.

Como é uma variante da anatomia, a única opção de tratamento possível, caso fosse necessário, seria corrigir cirurgicamente o defeito através do aumento do cordão como o MGHL. Entretanto, as evidências empíricas para o sucesso de tal procedimento são fracas, com apenas alguns estudos de casos anedóticos sendo relatados na literatura.

De uma perspectiva não cirúrgica, também pode ser anedótico argumentar que exercícios de isolamento seletivo do subescapularis podem aumentar ativamente a estabilidade do ombro anterior e compensar em algum grau uma MGHL deficiente. Para isolar o subescapularis podemos utilizar a broca de ativação da posição do abdômen (ver figura 3):

Para realizar a broca de ativação da posição do abdômen:

  1. Pôr uma Theraband ou tubo ao redor do punho (não a mão). Se o tubo estiver à volta da mão, irá encorajar a flexão do pulso para criar o movimento.
  2. Segure bem o cotovelo e mantenha a mão na barriga (esta posição minimiza o lat dorsi).
  3. Com a outra mão, palpe o pec maior (usando o polegar) e o lat dorsi (usando os dedos). Não queremos que estes músculos se contraiam.
  4. Baixo e usando pequeno alcance, afaste a mão da barriga e depois volte a entrar. O cotovelo não deve se mover ou mudar de posição. Isto é simplesmente um pequeno movimento de rotação do ombro em rotação interna e externa.
  5. Realizar conjuntos de alta repetição, como três conjuntos de 20-30 repetições, pois este músculo precisa ser treinado para resistência.

Conclusão

O complexo Buford é uma variante rara mas aparentemente ‘normal’ da anatomia do ombro. Entretanto, alguns autores sugeriram que sua presença pode criar sobrecarga nas outras estruturas do ombro que restringem movimentos como o tendão do bíceps e o manguito rotador. Sua presença precisa ser considerada em atletas que apresentam dor repetitiva no ombro que é atribuída a lesões do manguito rotador e lesões SLAP.

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  2. AJR Am J Roentgenol 1986; 146:361-367
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  5. Radiologia 1994; 190:654-651
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  10. Semin Roentgenol 1995;30:224-239
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