Ancylostoma duodenale como causa de sangramento gastrointestinal superior: um relato de caso | The Brazilian Journal of Infectious Diseases
Infecção por ancilostoma duodenale em humanos é geralmente causada pelos nematódeos helmintos Necator americanus e Ancylostoma duodenale.1-3 É encontrada em aproximadamente 25% da população mundial, especialmente em áreas tropicais e subtropicais pobres.1-3 No Peru, é relatada uma prevalência de 14%, a maioria dos casos está em Madre de Dios, Amazonas, Loreto e Cusco.1 Dados semelhantes foram relatados na Colômbia e Bolívia.1-3 A infecção é adquirida pelo contato direto da pele com solo contaminado e via fecal-oral.3
A maioria dos pacientes infectados permanece assintomática e a anemia por deficiência de ferro devido a perdas crônicas pelo trato digestivo é a principal complicação.4 Ambas espécies aderem à mucosa do intestino delgado, absorvem sangue, causam erosões, úlceras e favorecem a perda de sangue pela secreção de substâncias anticoagulantes e enzimas. A perda de sangue causada por anticoagulantes em um adulto é de cerca de 0,05 a 0,3 ml para Ancylostoma duodenale e 0,01 a 0,04 ml para Necator americanus.4-6 A anemia resultante pode ser leve, moderada ou grave, dependendo da carga parasitária (número de ovos eliminados por grama de fezes).3 No entanto, o sangramento gastrointestinal manifesto é raro.4
Herein, apresentamos o caso de um homem de 91 anos de idade, do Amazonas, sem histórico médico ou familiar relevante. Ele relata duas semanas de astenia e falta de ar a esforços moderados. Um dia antes de sua admissão ele apresentou hematêmese, tonturas e síncope. Ao exame físico os sinais vitais do paciente eram instáveis com taquicardia e hipotensão, estava pálido, sem adenopatias, tinha sons cardíacos rítmicos com sopro sistólico multifocal, abdômen mole, depressivo sem visceromegalia, com desorientação no tempo e no espaço.
Testes laboratoriais revelaram hemoglobina de 1,9 g/dL, hematócrito 8%, leucócitos 3,5 × 103/uL (eosinófilos 10%) e plaquetas 232 × 103/uL, uréia 63 e creatinina 2, fígado completo e perfil de coagulação dentro da faixa de normalidade, teste rápido para HIV e ELISA para HTLV-1 negativo. A endoscopia superior mostrou múltiplos vermes cilíndricos de aproximadamente 20 mm no bulbo e segunda porção duodenal aderidos à mucosa (Fig. 1).
1a-1b Múltiplos vermes cilíndricos de aproximadamente 20 mm no bulbo e segunda porção duodenal.
Exame físico por sedimentação rápida de Lumbreras mostrou ovos de ancilóstomos e poucos parasitas adultos (Fig. 2). A colonoscopia foi realizada onde foram encontrados parasitas mortos sem lesões neoplásicas.
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Exame de ferramenta por sedimentação rápida de Lumbreras mostrou ovos de ancilóstomo e poucos parasitas adultos.
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O paciente foi tratado com Albendazole 400 mg q24 h por três dias, mebendazole 100 mg q24 h por cinco dias e múltiplas transfusões de sangue. A paciente evoluiu favoravelmente e duas semanas depois o exame parasitológico nas fezes foi negativo.
Estes ancilóstomos vivem no intestino delgado, depositam ovos que são eliminados nas fezes que, em condições ideais, amadurecem e produzem larvas que quando em contato com a pele, penetram nela e são levadas através dos vasos sanguíneos até o coração e depois até os pulmões. Penetram nos alvéolos, sobem a árvore brônquica até à faringe e são engolidos. As larvas chegam ao intestino delgado, completando seu ciclo no intestino.4-7
O diagnóstico é baseado na identificação de ovos nas fezes de pacientes com anemia microcítica hipocrômica e eosinofilia.4-6 Entretanto, às vezes não há aumento da contagem total de eosinófilos, como neste caso. Embora os ovos das duas espécies não possam ser diferenciados por microscopia óptica básica, os vermes adultos apresentam diferenças: o ancylostoma é maior e a estrutura de sua abertura bucal tem dois pares de dentes ou ganchos de igual tamanho, e o necrolador um par de placas de corte.3-6
A apresentação clínica varia dependendo da fase do parasita e da intensidade da infecção, sendo encontrada desde achados cutâneos, respiratórios, digestivos não específicos, como náuseas, vômitos e diarréia, até falha de desenvolvimento no caso de crianças devido à má absorção e desnutrição.2,8
No Peru, apenas dois casos de sangramento gastrointestinal foram relatados como forma de apresentação desta infecção: em um paciente de 27 dias com anemia grave e melena9 e em um paciente masculino de 34 anos de idade da selva com baixa hemorragia digestiva. Ambos os casos também foram diagnosticados através de avaliação endoscópica.10 Este é o primeiro caso de uncinariasis relatado no país de um paciente adulto idoso com manifestação clínica de sangramento gastrointestinal superior com anemia grave e demonstração endoscópica do verme adulto.
Os relatos de sangramento gastrointestinal secundário ao Ancylostoma duodenale são provenientes de áreas endêmicas como a China, onde Tan et al. relataram um caso de hemorragia maciça devido ao ancylostoma duodenal diagnosticado por cápsula endoscópica.11 Além disso, Wei et al. relataram em 424 pacientes chineses com hemorragia gastrointestinal manifestamente obscura diagnosticada por endoscopia, colonoscopia, endoscopia em cápsula ou enteroscopia com duplo balão, todos com boa resposta ao tratamento médico.12
O tratamento recomendado é a dose oral única de albendazol 400 mg. No entanto, foram relatadas falhas, portanto é recomendada a administração de 400 mg de albendazol por três dias consecutivos ou como dose única de 800 mg.3 Nosso paciente persistiu com fezes positivas, então ele recebeu um curso mais longo com mebendazol por mais cinco dias e a resposta clínica e laboratorial esperada foi alcançada.
Em conclusão, a infecção com Ancylostoma duodenale geralmente se manifesta clinicamente como anemia por deficiência de ferro em áreas tropicais, mas se apresenta como hemorragia digestiva associada à infestação maciça e é pouco freqüente.9,10
É importante considerar esta patologia dentro do diagnóstico diferencial em casos de sangramento gastrointestinal de pacientes de áreas endêmicas. A terapia anti-helmíntica é muito eficaz com rápida melhora clínica como observado em nosso paciente.9
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.