The Harvard Gazette

A Segunda Guerra Mundial estava em um momento crítico quando o primeiro-ministro britânico Winston Churchill viajou para Harvard em setembro de 1943, a pedido do seu aliado e amigo Presidente Franklin D. Roosevelt 1904, L.L.L.D. ’29. Em 1947, quando a vasta devastação da Europa por causa dessa guerra se tornou mais clara, o Secretário de Estado dos EUA George Marshall aceitou o título de Doutor Honoris Causa do seu sucesso como general do Exército cinco estrelas que havia supervisionado grande parte das operações de guerra dos EUA na Europa. Marshall usou sua aparição no Comissionamento em junho daquele ano para fazer um discurso marcante, prometendo US$ 13 bilhões para um novo programa de ajuda liderado pelos Estados Unidos para a Europa. Esse esforço ficou conhecido como o Plano Marshall e revitalizou o continente.

Agora, enquanto as forças nacional-populistas ameaçam novamente ultrapassar grande parte da Europa e minar as relações entre os EUA e o continente, Harvard mais uma vez dá as boas vindas a uma figura democrática pivotal, uma mulher amplamente considerada como a líder mais respeitada do mundo, a chanceler alemã Angela Merkel. Na quinta-feira, Harvard concederá a Merkel um título honorário de Doutora em Direito durante os Exercícios Matutinos, e ela falará no encontro anual da Associação de Ex-alunos de Harvard durante o Programa da Tarde no 368º Comissionamento.

Formada como química quântica, Merkel passou seus primeiros 35 anos vivendo na Alemanha Oriental controlada pelos soviéticos, trabalhando em um centro de pesquisa administrado pelo Estado até a queda do Muro de Berlim em 1989. Essa mudança histórica levou Merkel a abandonar o trabalho científico e a abraçar um interesse vitalício na política, ascendendo constantemente às fileiras de um governo alemão recentemente unificado.

Chanceler eleita em 2005, Merkel é a primeira mulher e a primeira alemã oriental a ocupar o mais alto cargo eletivo de seu país. Quando ela renunciar em 2021, ela será a segunda líder mais antiga da Alemanha na era moderna, depois de seu antigo mentor, Helmut Kohl, que falou no início de Harvard em 1990.

Adiante de sua visita, a Gazeta falou com os atuais e antigos colegas da Merkel, diplomatas, estudiosos e jornalistas sobre sua vida, sua ascensão ao poder político e sua extraordinária influência sobre a Alemanha e o mundo. Aqui estão suas reflexões.

Uma figura de esperança

AN AUTHENTIC LEADER
Ela é extraordinária. Ela sabe quem ela é. Ela não tenta ser outra coisa qualquer. Ela é uma autêntica líder, o que é crítico. Ela tem um conjunto de valores fortes, e entende muito bem a história da Alemanha, em parte porque ela vem da Alemanha Oriental. Portanto, ela tem uma certa humildade que vem de sua biografia particular. Ela luta pelo seu país e pelo seu povo. Ela é analítica, é feroz, é uma política muito hábil. Ela não começou dessa maneira, mas certamente se tornou isso. E ela sabe como operar no palco mundial – não é tarefa fácil.

WENDY R. SHERMAN (Clique para expandir)

Secretário de Estado para assuntos políticos (2011-2015); conselheira do Departamento de Estado sob a secretária Madeleine K. Albright (1997-2001); conselheira especial do presidente Bill Clinton. Agora professora da prática da liderança pública e diretora do Center for Public Leadership na Harvard Kennedy School (HKS).

ALGUÉM QUE NÃO FLINCHA
A questão mais perigosa no Ocidente é que a democracia está sitiada. Ela está sendo desafiada pelos ciberataques russos, pela política divisória aqui em casa, pela ascensão dos populistas antidemocráticos na Europa e por Donald Trump. E para muitos de nós que achamos que o Ocidente é importante, a ideia de um mundo democrático, ela é agora a líder do Ocidente. Disseram-me que ela não quer esse manto. Mas para todos nós que achamos que a democracia está sob desafio e devemos fazer tudo para reavivá-la, ela é a única líder do Ocidente que nunca vacilou. Penso que ela chegará a Harvard com muitas, muitas pessoas de ambos os lados do Atlântico vendo-a como uma figura de esperança.

NICHOLAS BURNS

Secretário de Estado para os Assuntos Políticos (2005-2008); embaixador dos EUA na NATO (2001-2005); embaixador dos EUA na Grécia (1997-2001). Agora diretor do Aspen Strategy Group e do Roy e Barbara Goodman Family Professor of the Practice of Diplomacy and International Relations em HKS.

FROM CRISISIS TO TURNING POINT
Como embaixador na Santa Sé, testemunhei a reação à maneira como Merkel lidou com a crise migratória. Ela foi vista como “a mulher que salvou a dignidade da Europa”. Para Merkel, esta decisão foi crítica. Enquanto os populistas manobravam para usar a questão a seu favor, ela a via como a hora da verdade para uma democracia cristã. A forma como a Europa tratava os refugiados era uma prova de como tratava os seres humanos. Para ela, a crise migratória foi um ponto de viragem para a Europa demonstrar como agir responsavelmente.

ANNETTE SCHAVAN

Embaixador alemão junto da Santa Sé (2014-2018); ministro da educação e da pesquisa (2005-2013); vice-presidente do partido da União Democrata Cristã (1998-2012); confidente de longa data da Merkel.

UM DOS GRANDES CHANCELLORES
Considerando os desafios que ela enfrentou, eu a classificaria como uma das grandes chanceleres porque ela lidou, como alguns de seus antecessores, com um grande desenvolvimento crítico: a quebra do sistema baseado em regras estabelecidas, na sequência das eleições americanas. Ela lidou muito bem com isso, até agora. Essa é a sua grande crise. Ela manteve a União Européia unida em tempos difíceis, particularmente quando surgiu a questão de lidar com a Rússia, que é outra crise em que ela se saiu bem. Dentro da União Europeia, havia muitas divergências sobre se deveria ou não impor sanções à Rússia após a anexação da Crimeia. Ela torceu os braços de alguns países com bastante sucesso para mantê-los a bordo, em estreita cooperação com a Casa Branca sob o comando de Obama.

KARL KAISER

Diretor do Conselho Alemão de Relações Exteriores em Bonn/Berlim (1973-2003); conselheira dos chanceleres alemães Willy Brandt e Helmut Schmidt; fundador e associado sênior do Projeto sobre a Europa e a Relação Transatlântica em HKS.

SECRETO A SEU SUCESSO
O que constitui o seu sucesso? Se você me perguntar, não é visível à primeira vista. Provavelmente a conquista mais notável será ter mantido tanta estabilidade e continuidade ao sistema na Alemanha, ao governo, ao país, à vida de todos – com crescimento contínuo em termos econômicos, mas também políticos. Quando ela tomou posse, estávamos vivendo a era do terrorismo, depois deslizamos imediatamente para a época econômica mais tumultuada com 2008 e a crise econômica que se seguiu, a crise da moeda européia. A sua maior e primeira conquista foi impedir a desintegração do euro. A segunda foi manter a UE unida como está agora. Mesmo a forma como os britânicos mostram como é difícil sair, e que atração a UE ainda pode projetar, isto mostra que deve haver algo para isso. Ela não é uma grande artista, ela não é uma grande visionária. Ela é a mão estável.

STEFAN KORNELIUS

A autora da biografia definitiva “Angela Merkel: The Chancellor and Her World” (2014); editora de política externa do jornal de Munique Süddeutsche Zeitung.

Um DESCONHECIMENTO DE SUBSTITUIÇÃO
Ela faz todo o possível para não falar de si mesma. Ela não dá entrevistas a correspondentes dos principais jornais e revistas ocidentais; ela dá entrevistas a jornais locais quando isso é politicamente vantajoso. Ela parece não ter vaidade. Tenho certeza que ela tem, mas parece não ter nenhuma, e esse tem sido um de seus grandes trunfos como política. Sempre que ela se depara com um político alemão poderoso e vaidoso, ela é inevitavelmente subestimada. Ela passa o seu tempo e, quando chega o momento certo, ela dá um pequeno mas decisivo empurrão, e essa pessoa tem que encontrar alguma outra linha de trabalho. Esse tem sido o seu caminho para o topo desde o início. Ela não precisa de ganhar todas as discussões. Ela não tem que entrar na última palavra. Ela avalia calmamente os diferentes factores envolvidos numa dada situação e depois decide para que lado quer ir, e fá-lo calmamente e sem alarde. É um estilo político diferente que os alemães não tinham conhecido até Merkel.

GEORGE PACKER

Escritor para The New Yorker (2003-2018) que escreveu um perfil autoritário de Merkel, “The Quiet German”, em 2014; escritor para The Atlantic (2018-presente); autor, “Our Man”: Richard Holbrooke and the End of the American Century” (2019).

Um LÍDER RESPEITO
She é visto como um solucionador de problemas que às vezes coloca os melhores interesses de outras pessoas à frente. E isso é tão notável, ao contrário da maioria dos políticos, de ambos os lados do Atlântico, que ela se destacou – para ser séria, analítica, nem sempre procurando os votos. Ela lidera um país que se tornou, sem qualquer dúvida, o mais forte da Europa económica e politicamente, muito mais forte do que a França ou a Grã-Bretanha, os outros dois desse triunvirato. O seu comportamento pessoal, a sua seriedade, a forma como se aprofunda nas questões – ela é substantiva, não é superficial. Se você fez uma pesquisa privada com os líderes do G20, os líderes mais poderosos do mundo, e perguntou: “Quem você mais respeita neste grupo? Merkel vence a sondagem. Ou perguntou: “Quem presidiria este grupo de uma forma justa?” Eles colocariam o martelo nas mãos dela.
– NICHOLAS BURNS

DESN’T NEED POLITICS
Uma série de coisas são distintas sobre ela, mas o que a distingue da maioria dos outros políticos é que ela não é genuinamente carente. Ela genuinamente não precisa de política para ser feliz. As pessoas que a conhecem muito melhor dizem que ela concorreu para um quarto mandato porque se sentiu responsável. Ela sentiu que precisava, por assim dizer, de “terminar o seu trabalho”. Sempre que ela se afastar, fá-lo-á com muita alegria. E eu acho isso mais credível do que com a maioria dos outros políticos que conheci.

CONSTANZE STELZENMÜLLER

Robert Bosch Senior Fellow, o Center on the United States and Europe no Brookings Institution (2014-presente); Senior Transatlantic Fellow, German Marshall Fund of the U.S. em Berlim (2009-2014); visiting scholar, CES (2010).

A LATE RISE TO POWER
Sua carreira política nunca poderia ter sido antecipada, e nunca deu a idéia de que ela poderia acabar como chanceler ou que ela seria a líder do mundo ocidental de alguma forma. A velocidade com que ela assumiu a política depois de 89, especialmente quando ela entrou no primeiro gabinete alemão unificado em 91 e nos anos seguintes, foi de tirar o fôlego. Dificilmente há uma carreira política nestes tempos profissionalizados em que se começa tão tarde, aos 35 anos de idade, e não tão alto. Então sim, isto é impressionante.

A segunda coisa impressionante é que o seu carácter privado, a base sobre a qual tudo isto assenta, mudou notavelmente pouco. Sim, ela se tornou, através e através, um animal político. Ela respira, pensa e sonha em política, acho eu. Mas, por outro lado, o seu carácter não mudou em nada – a forma como lida com as pessoas, a forma como mostra interesse, a forma como se envolve. Ela não desapareceu no nevoeiro da proeminência ou de ser uma super-heroína. Ela é uma mulher muito realista, muito autocrítica. Ela desconfia sempre das pessoas que a adoram demais. Ela tem mantido esse tipo de capacidade de se colocar ao lado de si mesma, de se observar e de dizer a si mesma: “Não se leve muito a sério, Ângela”
– STEFAN KORNELIUS

A Alemanha Oriental

A CRIANÇA DO ORIENTE
Seu pai foi chamado de “O Ministro Vermelho” porque quando todos os outros foram para o oeste após a divisão da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, ele foi para o leste e assumiu uma paróquia ao norte de Berlim, no coração de Brandenburg. É conhecido por sua correção e retidão e pelos valores do protestantismo alemão: trabalho duro, disciplina, auto-anulação, todas essas coisas diferentes do sul da Alemanha. Essa foi a região que moldou Merkel. Foi o pai que lhe deu um sentido de propósito e responsabilidade. Mas ela certamente não pegou na política dele e viveu de acordo com eles. Ela era uma boa alemã oriental. Ela não se tornou uma dissidente. Ela evitou todas as armadilhas que poderiam ter descarrilado a sua carreira e ainda pior. Ela manteve a cabeça baixa e fez o que tinha que fazer para ter uma vida decente e uma carreira razoavelmente bem sucedida.
– GEORGE PACKER

FROM SCIENCE TO POLITICS
She sempre se interessou profundamente pela política. Ela conta a história que ouviu a rádio da Alemanha Ocidental em segredo na casa dos seus pais, que sempre sonhou em visitar Westminster em Londres, e assim o Parlamento. A sua primeira viagem ao estrangeiro levou-a a Londres. A primeira coisa que ela fez de Heathrow foi subir a escada rolante na Praça do Parlamento em Londres e ver a estátua de Churchill e depois o Parlamento. Depois, indo para o Speakers’ Corner, observando aquelas pessoas debatendo. Ela tinha este desejo profundo de se envolver em assuntos públicos e na troca pública de argumentos.
– STEFAN KORNELIUS